O Teletrabalho e a Pandemia: antes, durante e depois

O Teletrabalho e a Pandemia: antes, durante e depois

Por Mário Woortmann, Diretor, Maio de 2020

Em nosso artigo anterior, de agosto de 2019, tratamos do histórico do trabalho remoto mundo afora, dos avanços do teletrabalho no serviço público brasileiro e internacional, dos riscos a gerenciar e tendências em um contexto de normalidade. Neste breve texto, reunimos algumas pesquisas e recomendações nossas para o teletrabalho, considerando o contexto de antes, durante e para quando a pandemia de COVID-19 passar ou se estabilizar.

No contexto internacional, já se percebia um avanço nas práticas de trabalho remoto. Em torno de 25% da força de trabalho americana já trabalhava em alguma forma remota parcialmente, antes da atual pandemia. Na Europa, alguns países já possuíam consideráveis percentuais de trabalhadores remotos, em trabalho flexível ou teletrabalho ocasional, com destaque para a Dinamarca, Suécia e Holanda, segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho – OIT em 2015:

Percentual de trabalhadores em teletrabalho/trabalho flexível na União Europeia por país e categoria. Fonte: OIT, European Working Conditions Survey – EWCS, 2015.

Percentual de trabalhadores em teletrabalho/trabalho flexível na União Europeia por país e categoria. Fonte: OIT,  European Working Conditions Survey – EWCS, 2015.

No Brasil, o serviço público federal e de diversos estados já atuavam com parcelas reduzidas de seus servidores nesse regime de trabalho, com esquemas estruturados de seleção para o home-office (segundo critérios de elegibilidade), frequência de reuniões virtuais, formas de controle do uso de equipamentos, de sistemas informatizados, de VPN, checagens periódicas de saúde, normas para a retirada de documentos sigilosos ou restritos, dentre outros elementos.

Em abril de 2020, quando a pandemia do COVID-19 se intensificava no Brasil, realizamos um webminar a convite do Instituto República, no qual destacamos, ao final, algumas sugestões para aqueles que estavam ingressando nesse regime de trabalho pela primeira vez. Algumas dessas sugestões incluíam:

  • Flexibilidade e experimentação dirigida: como o trabalho funciona melhor em cada contexto? A adequação do modus operandi deve considerar as particularidades da natureza do trabalho e das condições de cada ambiente de trabalho (em casa, na maioria dos casos).
  • A importância da colaboração entre os membros das equipes para conseguirem “normalizar” a nova forma de trabalho e de cotidiano em uma situação desafiadora.
  • O foco no Gestor:
    1. Orientação para sua atuação com equipes remotas.
    2. Capacitação (EAD, videoconferências, artigos) para fortalecer suas habilidades de liderança com equipes remotas. Estudo científico (DE VRIES, 2018) destacou que no trabalho remoto acompanhado de práticas de liderança relacional mais intensa com a equipe, a chance de sucesso, de satisfação e desempenho são muito maiores.
    3. Manter a moral da equipe, com comunicação frequente e suporte às necessidades de cada um para garantir seu engajamento, motivação e produtividade.

 

Recomendações para gerenciar equipes remotas instaladas no contexto da pandemia

No atual contexto de quarentena provocada pela pandemia do coronavírus, alguns estudos começaram a ser publicados em revistas internacionais e por associações brasileiras especializadas. Algumas delas são sumarizadas abaixo.

Um recente estudo da Harvard Business Review (HBR) de 18 de março de 2020 por Barbara Larson, Susan Vroman e Erin Makarius destacou como principais desafios:

  • Falta de supervisão face-a-face: ausência de interação com o gestor imediato que pode gerar uma sensação de desorientação ou falta de um guia para o foco do trabalho, seja ele técnico ou não.
  • Falta de acesso à informação e do “conhecimento mútuo”, quando a organização não repassa informações institucionais, sobre seus rumos ou alterações na operação, o que gera uma perda da sensação de pertencimento. Além disso, a falta de interação pode causar desentendimentos pelo fato de um funcionário não conhecer a situação do outro, gerando atritos de interpretação da comunicação em mensagens ou e-mails, por exemplo.
  • Isolamento social, que pode levar à solidão pela ausência de interação com os colegas no ambiente de trabalho: “o espaço do cafezinho”, momento importante para solidificar a cultura organizacional.
  • Distrações em casa: deve-se esperar um aumento dessas distrações, em especial quando há crianças ou outros moradores na residência, com impactos na comunicação ou nos prazos das atividades em um momento de transição ou em um contexto doméstico mais instável.

 

Sabendo-se disso, as autoras apontam algumas recomendações para os gestores nesse contexto específico de quarentena:

  • Estabeleça contatos diários de monitoramento (check-ins): muitas vezes uma ligação diária ou a cada dois dias, ou videoconferência com os trabalhadores remotos para ter uma interação visual individual ou com a equipe, se o trabalho for colaborativo, faz uma diferença enorme. A importância é que os contatos tenham um padrão de frequência e previsibilidade, também abrindo-se um espaço para que os funcionários sintam-se ouvidos.
  • Viabilize diferentes formas de comunicação, na medida em que mensagens por celular e e-mails são insuficientes. Videoconferências trazem muitos benefícios, especialmente para grupos menores, na medida em que promovem um ambiente mais pessoal e próximo. Há muitas opções de aplicativos de videoconferência gratuitos já em uso atualmente.
  • Estabeleça procedimentos básicos para o trabalho remoto com a equipe: regras mínimas definidas logo de partida criam uma rotina mais previsível e um senso de organização, que trazem equilíbrio ao dia-a-dia do teletrabalhador. Frequência e meio de comunicação principal e secundário, por exemplo, horários limites e como proceder em emergências. O mais importante é que todos os funcionários conheçam tais procedimentos e estejam alinhados.
  • Promova um espaço para interação social remota: esse é um dos passos mais importantes para o gestor tomar junto à sua equipe, para que tenham um espaço mínimo para conversas variadas não relacionadas ao trabalho. Isso é importante para todos os trabalhadores remotos, mas especialmente para aqueles inseridos nesse contexto abruptamente. Pode-se utilizar, por exemplo, um tempo no início ou ao final de reuniões de equipe.
  • Ofereça suporte emocional: reconheça o stress, ouça os funcionários e demonstre consideração com sua situação, fornecendo conselhos sempre que possível ou alocando suporte de outros funcionários. Os líderes costumam ser vistos como modelos a serem seguidos, por isso devem demonstrar segurança e equilíbrio nessas situações.

 

De forma semelhante, em outra publicação recente a Sociedade Brasileira de Teletrabalho – SOBRATT (em parceria com a The Funnel Brasil), também propôs alguns elementos como centrais para o sucesso do trabalho remoto no atual contexto:

  • Infraestrutura minimamente adequada para poder desenvolver um bom trabalho, com apoio da organização. Por exemplo, aqueles que apenas trabalhavam com desktop viram-se desafiados, portanto algumas organizações compartilharam notebooks entre as pessoas que os possuíam. Além do mais, não basta prover, é preciso viabilizar a manutenção.
  • Liderança como pilar central, tendo-se em vista que gerenciar pessoas remotamente é diferente de gerenciá-las face-a-face. Orientações sobre como organizar o ambiente de trabalho em casa, cuidar de sua saúde e estabelecer rotinas positivas são vitais para um processo equilibrado. Cada líder conhece o grau de maturidade de sua equipe para poder dosar a autonomia e a supervisão adequadas.
  • Comunicação clara: um dos maiores problemas do distanciamento é o risco de comunicação falha. Presumir que o outro compreendeu ou que agirá na forma que o gestor imagina é um erro, por isso a importância de comunicar-se frequentemente buscando a confirmação do receptor. Além disso, os controles burocráticos de pessoal, de metas, atestados médicos e outros elementos devem ser comunicados cedo: “o combinado não sai caro”.
intensidade de comunicação remota, apresentaram maiores níveis de aprendizagem colaborativa e satisfação no trabalho

Adicionalmente, a partir do que viemos observando e debatendo junto a diversas organizações públicas, algumas reflexões e sugestões podem ser propostas:

  • Não se trata do tempo trabalhado, mas sim das entregas realizadas (trabalhos concluídos): a natureza do trabalho remoto é predominantemente baseada no cumprimento de prazos, metas e entregas de relatórios ou atividades semelhantes. Portanto o trabalhador remoto deve dedicar seu foco em atender às demandas e ao planejamento estabelecido em consenso com seu gestor. Afinal, não há nada mais satisfatório do que atingir uma meta que você estabeleceu para você mesmo.
  • Revezamento em casa: momento de qualidade trabalhando = momento de qualidade com a família. Estabelecer uma rotina mínima para conseguir se concentrar é vital para o sucesso e equilíbrio diário.
  • Aproveite a satisfação nas pequenas conquistas: cada trabalho entregue representa “um peso a menos nas costas”, um senso de realização profissional e de tranquilidade junto à família. Em muitos casos essas pequenas conquistas ajudam àqueles que encontraram dificuldades em lidar com o home-office e no isolamento social.

 

A partir disso, muitos se perguntam: existe clima organizacional em um contexto de trabalho remoto?

Essa pergunta vem permeando a mente de gestores públicos nos últimos anos e se intensificou nas últimas semanas nos diversos fóruns e webminars. De fato, existe clima organizacional no contexto do teletrabalho, mas é consideravelmente mais tênue do que o clima organizacional no trabalho presencial, principalmente em função da menor intensidade de comunicação e de interação social (FONNER e ROLOFF, 2010). Ademais, diversos estudos relatam o distanciamento dos teletrabalhadores da cultura organizacional presente na sede.

Entretanto, é justamente aí que reside a importância de manter o clima organizacional da forma mais positiva e saudável quanto possível para os trabalhadores remotos. Partindo desse pressuposto, propomos as seguintes reflexões:

  • O clima organizacional no teletrabalho é difuso
  • A cultura organizacional é mais distante
  • O clima organizacional existe tanto quanto a comunicação funciona
  • O clima melhora tanto quanto os servidores se ajudam, mesmo que virtualmente
  • O clima se fortalece tanto quanto o reconhecimento do bom trabalho é destacado pelo gestor
  • A atuação do gestor enquanto líder é fundamental para manter a amálgama da equipe remota, o clima equilibrado e a cultura organizacional mais próxima.

De certa forma, pode-se afirmar que, para um gestor, gerenciar o clima e gerenciar a própria equipe são intrinsecamente relacionados e indissociáveis para o sucesso do teletrabalho.

 

Retorno ao contexto normalizado: alguns permanecerão em trabalho remoto?

Um dos assuntos que começam a ser discutidos no âmbito das organizações em geral é o retorno ao trabalho presencial. Mas também se discute se alguns deveriam (ou poderiam, se assim desejarem) permanecer em home-office, haja vista a maior praticidade e os ganhos de produtividade que alguns relatam.

Retorno ao contexto (do novo) normal: alguns permanecerão em trabalho remoto?

Diversos tribunais federais e estaduais brasileiros vêm reportando aumentos de produtividade com seus servidores em teletrabalho, mesmo em tempos de pandemia. Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ apresentou aumento de 33% em decisões e despachos no mês de março de 2020, assim como Tribunais Regionais Federais – TRFs de São Paulo e Mato Grosso do Sul, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e o Ministério Público de Santa Catarina – MPSC apresentaram maior produtividade. Há discussões em curso em diversos órgãos públicos se os servidores atualmente em teletrabalho deverão passar por uma avaliação de saúde ocupacional para decidir se poderão permanecer em trabalho remoto após a pandemia ou se deverão retornar ao trabalho na sede, a depender de sua elegibilidade segundo as normas internas e da favorabilidade para o trabalho em suas residências.

Além das atividades jurídicas dos tribunais, diversas outras atividades vêm se mostrando mais propensas ao teletrabalho, tais como algumas atividades de controle externo (tribunais de contas), atividades contábeis, financeiras e de controladoria, atividades administrativas de análise, relatórios e despachos de natureza técnica, ensino à distância, atividades de pesquisa, além de outras que incluam reuniões e workshops por videoconferência.

Nesse sentido, algumas variações do teletrabalho já vinham surgindo e, agora, receberão maiores holofotes: o chamado Work from Home – WFH (trabalho em casa) e o chamado Work From Anywhere – WFA (trabalho em qualquer lugar):

O WFA pressupõe a possibilidade de produzir em qualquer lugar desde que haja uma conexão confiável de internet. O trabalhador decide onde vai trabalhar e se suas condições e ambiente são adequados, desde que entregue o que foi previsto e atinja suas metas.

Em artigo publicado em 2019 por Choudhury et al, também pela HBR, o WFA é apresentado como tendência em organizações onde o trabalho pode ser realizado de forma totalmente independente, sem necessidade de convocações para trabalhos presenciais, tais como a empresa de tecnologia SAP.

Segundo os autores, desde que sejam controlados os riscos de multitasking (realização de múltiplas atividades profissionais e pessoais ao mesmo tempo), de ruídos de comunicação e de diminuição de aprendizagem mútua no trabalho, pode tornar-se uma tendência crescente no futuro próximo.

Em pesquisa realizada pelos autores junto ao órgão público de registros de patentes americanas (USPTO), identificaram um aumento de 4,4% de produtividade com o trabalho remoto. Em outro achado, identificaram que trabalhadores remotos na modalidade WFA, quando clusterizados por similaridade de atividades e com maior intensidade de comunicação remota, apresentaram maiores níveis de aprendizagem colaborativa e satisfação no trabalho. Ao final do estudo, recomendaram:

  • Promover a autonomia real para os trabalhadores remotos, e não o micromanagement de cada passo que derem.
  • Priorizar canais de comunicação “oficiais” da equipe para padronizar e facilitar os fluxos de informação.
  • Incentivar clusters de funcionários com atividades similares para impulsionar sua interação e aprendizagem mútua.
  • Novos funcionários devem, sempre que possível, primeiro passar pela experiência de escritório para depois ingressarem no WFA, para terem maior aproveitamento da experiência de mescla com profissionais sêniores (mentoria) e os treinamentos formais.

Para investigar outras questões, acesse 15 questions about remote work, answered

Por fim, para aqueles que retornarão ao trabalho presencial de fato, as recomendações já são bastante disseminadas: seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde – OMS e dos especialistas em saúde pública, ou seja, adotar cuidados como o distanciamento físico no ambiente de trabalho, o uso de máscaras, o monitoramento de temperatura corporal, a ventilação e circulação do ar no ambiente de trabalho, o uso de testes de infecção quando estiverem disponíveis para compra e, claro, um protocolo mínimo para ação quando houver suspeita de algum funcionário infectado.

Independentemente de como retorne ao contexto de normalidade (ou pseudonormalidade), pense no legado que você quer deixar, na sua contribuição como servidor público, quando esse momento passar.

Referências:

CHOUDHURY, P., LARSON, B., FOROUGHI, C. Is It Time to Let Employees Work from Anywhere? Harvard Business Review, August 14, 2019.

DE VRIES, H., TUMMERS, L., BEKKERS, V. The benefits of teleworking in the public sector: reality or rhetoric? Review of Personnel Administration, 2018.

LARSON, B., VROMAN, S., MAKARIUS, E. A Guide to Managing Your (Newly) Remote Workers. Harvard Business Review, May 18, 2020.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Working anytime, anywhere: The effects on the world of work. Eurofound and ILO, 2017.

SOBRATT e THE FUNNEL BRASIL.  Home office em tempos de quarentena – 07/04/2020. Acessado em: http://www.sobratt.org.br/index.php/07042020-home-office-em-tempos-de-quarentena/

WOORTMANN, M. Teletrabalho no Serviço Público. Instituto Publix, Agosto de 2019. Acesso: https://institutopublix.com.br/teletrabalho-no-servico-publico/

WOORTMANN, M. Apresentação realizada em webminar promovido pelo Instituto Rerpública, Abril de 2019.

Por Mário Woortmann, Diretor, Maio de 2020