Apresentação
As organizações públicas são fundamentais e inúmeros são os exemplos de sua importância no atendimento das necessidades e demandas prementes da sociedade. Na Administração Pública, há o desafio de lidar com uma grande variedade de temas que exigem responsividade do Estado. Essas demandas variam desde o fornecimento adequado e amplo de cuidados de saúde, serviços de educação, manutenção da segurança pública até a proteção do patrimônio material e imaterial. Assim, as organizações públicas impactam a vida de todos no dia a dia.
Nesse contexto, gerir as organizações públicas torna-se cada vez mais complexo, sendo crescentes as demandas e expectativas sobre suas atuações, que talvez nunca estiveram sob tanta pressão por resultados como nos tempos atuais. Essas organizações precisam ser repensadas continuamente e, para tanto, é requerido estabelecer uma carteira de projetos estratégicos que as tornem mais eficientes, eficazes e efetivas ao fornecerem políticas e serviços públicos de alta qualidade e com a cobertura necessária (equidade), assim como a produção de valor público aos cidadãos.
Tornar as organizações públicas mais aderentes aos desafios contemporâneos exige fornecer uma visão sistêmica que ajude as lideranças públicas e suas equipes a transformar suas organizações, em busca de produzir mais resultados. À luz desse contexto, este documento se destina a incentivar a reflexão sobre como melhorar o desempenho institucional das organizações públicas por meio da execução ágil e pragmática de projetos voltados para traduzir ideias em iniciativas, com potencial de gerar resultados sustentáveis.
Para tanto, apresenta-se a metodologia própria de Canvas Ágil de Projetos, proveniente da junção de insights do estado da arte da literatura e dos desafios de gestão de projetos enfrentados na prática, para que possam ser facilmente aplicados pelas organizações públicas brasileiras, visando a geração de resultados constantes e aderentes aos desafios contemporâneos.
Sumário Executivo
O Canvas Ágil de Projetos é uma ferramenta de design multidisciplinar para alinhamento e otimização de projetos no setor público, com o objetivo de reduzir esforços para definição e modelagem de projetos, levando à construção de planos mais aderentes à resolução de problemas públicos reais.
Para tanto, o Canvas proposto busca fornecer uma plataforma estruturada, de construção coletiva, para lidar com os desafios de projetos colaborativos e complexos, com foco voltado para a necessidade de aceleração de entregas e resultados. O primeiro passo para catalisar a implantação de projetos é ter uma visão sistêmica e integrada das várias dimensões envolvidas. Ou seja, instituir uma dinâmica que favoreça a multiplicidade de perspectivas e a colaboração ao enxergar a complexidade existente e, paralelamente, perseguir a simplicidade.
Nesse sentido, o Canvas Ágil de Projetos é definido como um instrumento básico para a aceleração da implantação e operacionalização de projetos colaborativos, pois favorece o alinhamento e o desenvolvimento de entregas complexas, que envolvem a adoção de tecnologias e condução por equipes multi-unidades e multi-organizacionais, combinando expertises heterogêneas de forma sinérgica.
Considerando o advento crescente de projetos envolvendo tecnologias, adotar o princípio da agilidade é essencial para tangibilizar um conjunto de conceitos e abordagens com algum grau de abstração e transformá-los em um framework aplicável. O propósito é reduzir o tempo de formulação e implementação de projetos, além de torná-los mais alinhados à estratégia e aderentes ao contexto de desafios.
Esta edição do Publix Ideias revisa conceitos do paradigma ágil para aplicá-los na Administração Pública, destaca os principais desafios enfrentados pelos projetos e apresenta uma proposta de instrumento prático de como aprimorar o design e a execução de projetos orientados para a produção de valor público.
Por fim, são apresentados dois casos ilustrativos de design com adoção do Canvas Ágil de Projetos, com foco em elucidar o seu uso para as organizações públicas, além dos benefícios e conquistas obtidos, demonstrando ganhos de produtividade, alinhamento e aceleração de entregas.
Um grande desafio na Administração Pública é compatibilizar as crescentes demandas de diversos atores da sociedade com a capacidade institucional de entrega. Ao mesmo tempo, é necessário dotar o Estado de um carácter inovador com vistas à sustentabilidade das políticas e serviços públicos. Embora a utilização de tecnologias seja uma grande aliada no contexto do setor público contemporâneo, os desafios atuais não podem ser enfrentados apenas com os modelos de gestão e tecnologias existentes.
É diante dessa realidade que as organizações públicas precisam de soluções altamente inovadoras, incluindo conceitos e abordagens não convencionais, tecnologias de fronteira e outras abordagens para mudanças incrementais e disruptivas.
Ressalta-se, no entanto, que para alcançar o desenvolvimento de um projeto voltado para construção de uma solução inovadora, transformacional e não convencional, é preciso integra-lo e otimiza-lo no momento da sua concepção e implementação, pensando em modelos ágeis e dinâmicos que favoreçam o trabalho colaborativo.
Além disso, o atual modelo de trabalho tem passado por mudanças substanciais. Existe uma tendência contínua de colaboração, combinada com o aumento da responsabilidade compartilhada e a necessidade de articulação entre diversos atores internos e externos à instituição, que podem contar, em grande medida, com valiosas contribuições de outras organizações públicas, do terceiro setor, empresas e startups, academia e demais agentes da sociedade. Em linhas gerais, é provável que nenhum desses atores, de forma individual, poderá deter todas as competências necessárias para o desenvolvimento de um projeto completo.
Tendo por base as concepções acima apresentadas, o presente documento está estruturado nas seguintes seções:
- Projetos estratégicos transversais e transformadores: visão geral sobre as características dos projetos atuais e os desafios em aberto;
- Princípios do Canvas Ágil aplicados à gestão pública, com descrições dos principais elementos estruturais e conceituais;
- Os modelos canvas de projetos existentes;
- A evolução da gestão de projetos;
- O Canvas Ágil de Projetos e seus principais objetivos;
- Os componentes do Canvas Ágil de Projetos; e
- Os desafios na implantação do Canvas e a ilustração de dois cases hipotéticos modelados com a adoção do Canvas Ágil de Projetos.
Por fim, discorre-se sobre os principais resultados obtidos e esperados com a proposta, permitindo que a comunidade de gestão de projetos e diversos gestores públicos possam acessar o modelo e aplicá-lo em seus desafios de desdobramento e implementação da estratégia.
Projetos, em uma definição livre, compreendem um conjunto de esforços de um indivíduo ou equipes para entregar produtos (bens ou serviços) que propiciem a geração de valor para a organização e seus stakeholders.
Nos tempos atuais, há uma crescente demanda por projetos de inovação nas organizações, com o uso intensivo de recursos digitais. Considerando o cenário de um mundo VUCA (acrónimo em inglês que significa Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo), o desafio é fazer a gestão adequada para manter os projetos constantemente “nos trilhos”, em termos de expectativas de escopo (sobre o que é o trabalho), tempo (os prazos definidos), qualidade (satisfação com as entregas) e custo (dentro do orçamento previsto). É absolutamente fundamental alinhar bem essas expectativas, explícitas e implícitas, pela ótica do beneficiário final, assim como dos demais stakeholders.
Além disso, os projetos estratégicos podem ser estabelecidos como processos de design colaborativo e multi-organizacional. No entanto, ressalta-se que um dos grandes desafios, que dificulta o design de projetos estratégicos efetivos, é a integração de competências multidisciplinares dentro de uma unidade. O desafio é ainda maior quando os serviços de design necessários são fornecidos por equipes heterogêneas, com especialistas distribuídos entre diferentes organizações e, até mesmo, parcerias em outros países.
É diante dessa realidade que o desenvolvimento de uma “rede de concepção e implementação de projetos transformadores” é um interessante caminho para entregar soluções inovadoras no setor público, com um tempo reduzido e boa relação custo-benefício ou custo-impacto, com vistas a transformar a realidade das organizações e do ambiente que as cerca, com foco na geração de valor público.
As técnicas de design de projetos voltadas para o alinhamento estratégico, colaboração multidisciplinar e otimização buscam, assim, fornecer abordagens-chave para gerir mudanças no contexto contemporâneo.
Nesse cenário, destaca-se a necessidade de desenvolver e adotar novas metodologias que permitam convergir conhecimentos e habilidades para gerir a crescente complexidade do contexto externo das organizações e seus projetos. Tal avanço, proposto neste texto, é em direção ao desenvolvimento de “conhecimentos e habilidades de modelagem”, sendo este um passo necessário para acelerar a formulação e execução de projetos complexos.
As abordagens ágeis no âmbito da gestão de projetos são formas de acelerar as entregas e possibilitar que as equipes realizem seus trabalhos em constante alinhamento com as expectativas. Assim, a geração de valor aos beneficiários se torna mais rápida.
Isso ocorre por meio de ciclos incrementais onde a equipe avalia continuamente os requisitos, planos e resultados do projeto, podendo realizar alterações de forma rápida. Ou seja, em vez de um planejamento aprofundado no início do projeto, os métodos ágeis estão abertos a requisitos dentro de um espaço viável de mudanças ao longo do tempo, incentivados por meio de feedback constante dos usuários finais.
Logo, as metodologias ágeis são colaborativas, fundamentadas numa abordagem simples, intuitiva e pragmática que divide projetos maiores em tarefas menores, nas quais as equipes podem trabalhar conjuntamente, de forma mais produtiva. A divisão de tarefas maiores em menores visa desmistificar a complexidade dos projetos e gerar a devida sinergia e energia para que as equipes se sintam confiantes e aptas para a sua execução.
Neste contexto, o trabalho é organizado em um backlog priorizado de acordo com o valor a ser gerado para o destinatário direto das entregas do projeto. O objetivo de cada iteração é produzir uma entrega funcional. Nesta dinâmica, destacam-se a colaboração, flexibilidade, melhoria contínua e entregas de elevada qualidade.
Essa abordagem é ainda mais importante quando os projetos são totalmente inovadores. Afinal, torna-se praticamente impossível identificar todas as etapas para a boa gestão de um projeto que sequer foi desenvolvido anteriormente. É por essa razão que as organizações consideradas mais ousadas, dinâmicas e inovadoras fazem uso intensivo de metodologias ágeis. De forma geral, elas acreditam que a gestão tradicional de projetos requer, por vezes, a dedicação de tempo significativo para a organização e o planejamento do projeto, o que acaba minimizando o foco no que é essencial: desenvolver iniciativas capazes de resolver o problema certo e atender as necessidades do público-alvo.
Assim, o método ágil pode ser aplicado, com enfoques interativos e adaptativos, quando o escopo, o requisito ou as especificações não são conhecidos com antecedência ou quando ainda há incerteza sobre o resultado a ser gerado. Projetos voltados para o desenvolvimento de produtos e/ou soluções complexas são ambientes em que técnicas adaptativas são essenciais.
Em síntese, a metodologia ágil parte do pressuposto de que a evolução do projeto ocorrerá ao longo do seu ciclo de implantação. Nesse sentido, ao invés de o gestor planejar todas as etapas sequenciais do projeto na fase de especificação, deve ser capaz de produzir com a sua equipe algo simples e pragmático, que possa ser colocado em uso o mais rápido possível. Em seguida, a própria utilização da entrega (solução) proveniente do projeto (ou parte dela) irá permitir as devidas reflexões e aprendizados para seu desenvolvimento ao longo do ciclo de implantação.